quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Poesia de cá e de lá, as escolhas da professora Hipólita Sousa

Balada para um Homem na Multidão


Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no Japão
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.

E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.

Natália Correia, in O Vinho e a Lira
poetisa portuguesa – 1923-1993 – escritora e política



Retrato de Mulher Triste

Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.

O homem que não existiu.
Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,

Pois jamais se viveu com tanta plenitude.
Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

Cecília Meireles, in Poemas (1942-1959)
poetisa brasileira – 1901-1964 – poeta e escritora

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